Após demissão de Pedro Guimarães, Bolsonaro nomeia secretária da Economia para a presidência da Caixa
Economista Daniella Marques é secretária de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia. Substituição é motivada pelas denúncias de assédio sexual contra Guimarães.
A secretária de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia, Daniella Marques, foi nomeada nesta quarta-feira (29) pelo presidente Jair Bolsonaro como nova presidente da Caixa Econômica Federal, em substituição a Pedro Guimarães, que pediu demissão após denúncias de assédio sexual.
A exoneração de Guimarães e a nomeação de Daniella Marques foram publicadas no final da tarde em edição extra do "Diário Oficial da União".
A economista Daniella Marques está no governo Bolsonaro desde o início do governo. É uma das assessoras de maior confiança do ministro Paulo Guedes, da Economia. Ela começou como chefe da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos, em janeiro de 2019. Da equipe original de Guedes, grande parte já deixou o governo.
As denúncias contra Guimarães embasaram uma investigação do Ministério Público Federal (MPF) sobre a conduta do presidente da Caixa. Desde esta terça (28), sob a condição de anonimato, se tornaram públicos relatos de funcionárias contando ações de Guimarães contra elas.
Elas contam, por exemplo, que o agora ex-presidente da Caixa as chamava para o quarto dele em hotéis durante viagens oficiais, pedindo remédios ou carregador de celular. Quando elas chegava, ele as recebia com trajes inadequados.
As funcionárias relatam também abraços forçados, em que ele passava a mão por partes íntimas delas (veja mais abaixo as falas das mulheres assediadas).
Denúncias de assédio
A TV Globo falou com algumas funcionárias que relataram episódios de assédio que sofreram de Guimarães.
"Eu considero um assédio. Foi em mais de uma ocasião. Ele tem por hábito chamar grupo de empregados para jantar com ele. Ele paga vinho para esses empregados. Não me senti confortável, mas, ao mesmo tempo, não me senti na condição de me negar a aceitar uma taça de vinho. E depois disso ele pediu que eu levasse até o quarto dele à noite um carregador de celular e ele estava com as vestes inadequadas, estava vestido de uma maneira muito informal de cueca samba canção. Quando cheguei pra entregar, ele deu um passo para trás me convidando para entrar no quarto. Eu me senti muito invadida, muito desrespeitada como mulher e como alguém que estava ali para fazer um trabalho. Já tinha falado que não era apropriado me chamar para ir ao quarto dele tão tarde e ainda me receber daquela forma. Me senti humilhada".
Outra funcionária afirmou que, às vezes, o constrangimento era feito na frente de outros colegas:
"Por exemplo, pedir para abraçar, pegar no pescoço, pegar na cintura, no quadril. Isso acontecia na frente de outras pessoas. E, às vezes, essas promessas eram no pé de ouvido e na frente de outras pessoas, mas de forma com que outras pessoas não ouvissem."
Segundo ela, o assédio também ocorria nas viagens que o presidente da Caixa faz pelo país.
"Comigo foi em viagem, nessas abordagens que ele faz pedindo, perguntando se confia, se é legal. Abraços mais fortes, me abraça direito e nesses abraços o braço escapava e tocava no seio, nas partes íntimas atrás, era dessa forma."
Outra funcionária afirma que o presidente da Caixa era insistente.
"Eu só fingi que estava bebendo o vinho e tudo e aí ele ele começou a fazer umas brincadeiras. Aí na hora de pagar a conta pediu um abraço. Aí falou: 'Ah'. Eu tentei manter a distância. 'Ah, um abraço maior'. Eu fiquei muito sem graça, que eu já vi que ele já, né? A gente já sabe da fama. Eu sabia da fama dele já, então eu me reservei o máximo possível. E aí ele: 'não, mas abraça direito. Abraça direito, porque é... você não gosta de mim'. Aí na hora que ele, na terceira vez que ele fez eu abraçar ele, ele passou a mão na minha bunda."
Algumas dessas mulheres dizem que simplesmente desistiram de usar o canal de denúncias oferecido pela Caixa. Elas afirmam que souberam de outros casos que não teriam sido levados adiante e contam que as vítimas até sofreram retaliações.
Proximidade com Bolsonaro
Agora ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães era um dos poucos nomes ainda na equipe econômica desde o início do governo Jair Bolsonaro.
Guimarães chegou ao governo por ser próximo tanto de Bolsonaro como do ministro da Economia, Paulo Guedes. Antes de aceitar o cargo, era um dos sócios do banco de investimentos Brasil Plural. Também entrou na administração Bolsonaro creditado por ter um perfil liberal. Assessorou, por exemplo, a privatização do Banespa, antigo banco estadual do estado de São Paulo.
Antes da campanha presidencial de 2018, ficou próximo de Bolsonaro ao levá-lo para um giro pelos Estados Unidos para conversas com investidores estrangeiros em outubro de 2017 e por ser um dos primeiros integrantes do mercado financeiro a apostar na candidatura do então deputado federal, como mostrou o blog da Julia Duailibi.
Guimarães também trabalhou com Paulo Guedes no banco BTG Pactual no período em que o ministro da Economia era sócio da instituição.
Na administração Bolsonaro, Guimarães ganhou destaque durante a pandemia do coronavírus. A Caixa Econômica Federal teve papel relevante na execução do Auxílio Emergencial, e, mais recentemente, no pagamento do Auxílio Brasil — programa social que substituiu o Bolsa Família.
Em um dos momentos mais controversos da sua administração, Guimarães colocou funcionários do banco para fazer flexões durante um evento de fim de ano da instituição em um hotel em Atibaia, no interior de São Paulo
As imagens viralizaram na internet, geraram repercussão negativa e provocaram reação de entidades de classe, como o Sindicato dos Bancários de São Paulo, que classificou a prática como assédio moral.
Em outra polêmica, a Procuradoria da República no Distrito Federal decidiu investigar Guimarães por suposta pressão política sobre a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Em agosto do ano passado, a federação elaborou um texto com demais entidades de classe em que pedia "harmonia e colaboração" entre os poderes da República.
Antes de o manifesto ter sido divulgado, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil ameaçaram sair da Febraban, porque viram no texto um ataque político à gestão do presidente Jair Bolsonaro. À época, o procurador Anselmo Cordeiro citou reportagens segundo as quais o movimento dos dois bancos públicos foi coordenado por Guimarães.
Os números da gestão
Um dos motores da Caixa Econômica Federal na gestão Guimarães foi o crédito imobiliário — nos últimos três anos, alcançou R$ 400 bilhões. Só no primeiro trimestre deste ano a contratação somou R$ 34,4 bilhões, aumento de 17,8% em relação aos três primeiros meses de 2021.
Também neste primeiro trimestre, o banco reportou lucro líquido contábil consolidado de R$ 2,5 bilhões, o que representa uma queda de 44,5% na comparação com os três primeiros meses do ano passado, quando chegou a R$ 4,6 bilhões.
Fonte: G1