Bitcoin sofre menos com guerra na Ucrânia; Ibovespa bate dólar com ganhos no período

Ibovespa se beneficiou do cenário por ser composto por ⅓ de commodities; dólar recuou com a alta dos preços das matérias-primas e da taxa Selic

Bitcoin sofre menos com guerra na Ucrânia; Ibovespa bate dólar com ganhos no período
Especialistas apontam que bitcoin se valorizou na guerra porque companhias estão usando a criptomoeda para burlar as sanções impostas à Rússia Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia completa um mês nesta quinta-feira (24). E a disputa entre os dois países já deixou marcas tanto na história geopolítica quanto na economia. De acordo com levantamento da Economatica, feito a pedido do CNN Brasil Business, em quase 30 dias, o ativo que menos sofreu os impactos do conflito foi o bitcoin, com valorização de 8,69%.

Já o Ibovespa, no mesmo período, subiu 3,88%, enquanto o dólar recuou 2,77% e o euro desvalorizou, 5,46%.

Segundo especialistas entrevistados pelo CNN Brasil Business,  as sanções impostas à Rússia e a alta das commodities foram os principais motivos para a volatilidade do mercado.

Criptomoedas

O economista-chefe e o coordenador econômico da Genial Investimentos, José Marcio Camargo, afirma que as criptomoedas tendem a se beneficiar a longo prazo com a fragilização da credibilidade das moedas fiduciárias, já que esses ativos atuam como meio de transferência internacional, podendo mitigar os efeitos de sanções.

O reflexo disso pôde ser observado no movimento nos preços das criptomoedas no dia do início do conflito. O volume negociado por Bitcoin e UAH (moeda ucraniana) disparou 4,2 vezes a mais em relação aos dias que antecederam o conflito.

E, na mesma direção, o volume negociado entre Bitcoin e o rublo (moeda russa) foi 4,5 vezes maior do que a média dos dias anteriores.

Segundo especialistas, a escolha das companhias russas de utilizarem a criptomoeda para se proteger e burlar os bloqueios impostos à Rússia reforçou o papel das criptomoedas no mercado descentralizado, principalmente o bitcoin, o que refletiu em uma alta no preço do ativo digital.

Os criptoativos, por não serem ligados à nenhuma instituição financeira ou órgão de regulamentação, tradicionalmente, tendem a não sofrer negativamente quando obstáculos são impostos à econômia de algum país.

Fonte: Investing

Ibovespa

Considerando o mercado doméstico, a guerra afetou o Ibovespa de três formas: a primeira foi o aumento dos custos de produção por conta da alta do petróleo, o que bateu diretamente no preço da logística e diminuiu a margem das empresas. A commodity atingiu US$ 130 o barril e voltou ao patamar de US$ 110, em poucos dias.

O sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, Idean Alves, diz que o segundo impacto foi o desempenho das commodities, como minério de ferro, celulose e carne, que tiveram um aumento exponencial nos preço por causa do custo dos transportes e, principalmente, a limitação da oferta.

Devido às sanções impostas à Rússia e, consequentemente, as restrições nas ofertas de alguns produtos no mercado exterior, as companhias nacionais venderam mais caro seus produtos, tendo uma vantagem no fluxo de caixa e, assim, valorizando suas ações listadas na B3.

O terceiro impacto forma foi a entrada de investidores internacionais que venderam seus papéis negociados bolsa russa. “A Rússia tem uma bolsa parecida com o Brasil, de exportação de commodities, e, com as sanções, a B3 se tornou uma das melhores opções disponíveis fora do conflito”, afirma Antônio Sanches, especialista em investimentos da Rico.

Dessa forma, uma parcela do capital que estava investido nos papéis russos passou para o Brasil. Vale destacar que 33% do principal índice da bolsa brasileira é composto de companhias que trabalham com matérias-primas.

Veja como foi o desempenho desde a invasão de Putin à Ucrânia, em 24 de fevereiro:

Fonte: Investing 

Os fundos brasileiros também foram impactados com a disputa entre os dois países, pois, em um primeiro momento, os gestores tomaram posições defensivas para terem tempo de entender o que está acontecendo na Europa, quais seriam os possíveis impactos e cenários, explica Marcelo Oliveira, CFA e fundador da Quantzed.

Esse movimento é conhecido no mercado como “rotation”, já que a ideia é alterar a estratégia do fundo de acordo com o desempenho de alguns setores. “Os fundos [no Brasil] buscaram segurança com a incerteza que pairava o ar”, afirma o especialista da Ação Brasil Investimentos.

Para Alves, ainda é importante ressaltar que o cenário no último mês foi de cautela, com muitas oportunidades, mas, ao mesmo tempo, com muitas “armadilhas de valor”, empresas e mercados que parecem baratos, “só que, na verdade, estão surfando o momento de muito dinheiro disponível… o que pode mudar muito rapidamente”.

Os fundos ligados ao exterior também realizaram um rotation. Sanches declara que alguns fundos optaram por migrar seu montante investido em BDRs (títulos de ações listadas no exterior) para o mercado de renda fixa nacional. “Parte desse movimento é pela alta da taxa Selic e pela fuga na queda dos ativos internacionais”.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) anunciou, na quarta-feira (16), alta de 1 ponto percentual na taxa básica de juros. Assim, a Selic passou de 10,75% ao ano (a.a.) para 11,75% a.a..

Já outros gestores de fundos decidiram por aumentar a proteção com investimentos em ouro, metais preciosos, ou papéis relacionados à commodities, “buscando também ativos reais que se beneficiam da inflação”, destaca Sanches.

Dólar frente o real

Os especialistas entrevistados pelo CNN Brasil Business afirmaram que, no primeiro momento de aversão a risco devido à guerra, o dólar se valorizou frente as outras moedas, porém, a medida que a leitura do cenário foi acontecendo de forma assertiva, a moeda frente ao real terminou abaixo de R$ 5,00 – o que não acontecia desde junho de 2021.

“Houve um reajuste natural, em especial no cenário doméstico, em que a Bolsa brasileira vinda do segundo pior desempenho entre as bolsas em 2021, estava muito barata”, declara o chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, o que atraiu fluxo cambial favorável.

“Além da alta de juros no país, o aumento dos preços das commodities também favoreceu a nossa balança comercial”.

Já o CFA e fundador da Quantzed acredita que a alta do real está relacionada à bolsa da Rússia estar fechada por quase um mês, o que fez aumentar a entrada de fluxo estrangeiro que precisam investir em mercados emergentes (onde a economia se desenvolve com foco na capacidade produtiva).

Veja como foi o desempenho do dólar desde à invasão russa na Ucrânia:

Fonte: Investing 

José Marcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, e Yihao Lin, coordenador econômico também da Genial, publicaram um artigo na terça-feira (22), nomeado de: “Conflito na Ucrânia pode representar o fim do dólar”.

Eles declaram que um número bastante abrangente de sansões está sendo adotado, como pressão para que empresas interrompam voluntariamente suas atividades comerciais com suas contrapartes russas. E que também houve o confisco das reservas cambiais do governo russo, denominadas em dólares, ouro e títulos do tesouro americano, custodiadas em outros bancos centrais do mundo ocidental.

“Dessa forma, nossa avaliação é que este movimento de congelamento das reservas em dólares, em ouro e em títulos do tesouro americano custodiadas nos bancos do mundo ocidental será responsável por uma quebra estrutural na confiabilidade das moedas fiduciárias, principalmente do dólar”.

Euro perde valor

O euro se tornou o pior investimento desde o dia 24 de fevereiro, porém, Raphael Vieira, sócio e head de renda fixa da Arton Advisors, afirma que o movimento é reflexo da postura do Fed, o Banco Central dos Estados Unidos, de aumentar a taxa de juros, o que tira fluxo de capital da Europa para os Estados Unidos, do que a guerra em si.

O banco central dos Estados Unidos anunciou um aumento de 0,25 ponto percentual em sua taxa básica de juros, como amplamente esperado, mas a projeção de que sua taxa atingiria entre 1,75% e 2% até o fim do ano foi mais “hawkish” (agressiva contra a inflação) do que alguns esperavam.

Embora tenha destacado a enorme incerteza que a economia enfrenta com a guerra entre Rússia e Ucrânia e a atual crise da Covid-19, o Fed disse que “aumentos contínuos” nos juros “serão apropriados” para conter a inflação mais alta em 40 anos.

Já o sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos diz que a guerra impactou fortemente a cotação do euro frente as outras moeda, pois há um movimento de fuga perante a moeda europeia devido as incertezas geopolíticas que estão ocorrendo na região do leste europeu, e que estão “obrigando” os investidores estrangeiros a buscarem alternativas mais seguras e rentáveis.

Fonte: Investing 

Aproveitar ou ficar atento

Quando questionados sobre como o investidor deve aproveitar o cenário, os especialistas tiveram opiniões divergentes. Enquanto alguns sugerem que os brasileiros devem se beneficiar da alta das commodities, outros apostam na renda fixa.

Tanto o CFA e fundador da Quantzed quanto o chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos afirmam que o cenário é desafiador, mas acreditam que o investidor deve aproveitar esse momento para colher “o que o Brasil tem de melhor”, diz Alves.

O head de research da Ativa Investimentos também afirma que é um momento de adquirir companhias ligadas à commodities. “Mas não vejo grandes oportunidades, a não ser que as coisas piorem e deve ter um aperto das commodities”.

“Tivemos um momento de pânico, o mercado se estressou, mas já voltamos a uma condição mais normalizada”.

Porém, ele afirma que os investidores devem ficar atentos ao desenrolar de novas sanções, já que a Rússia – uma grande produtora de trigo – deve entregar menos quantidades de commodities na próxima safra, o que pode valorizar ainda mais o Ibovespa e as companhias do setor. Na terça-feira (1º), o preço do trigo subiu 8,91%, chegando ao maior valor em 13 anos.

Por sua vez, o especialista em investimentos da Rico, afirma que existem três janelas de oportunidade neste momento: uma janela com dólar mais baixo; outra de ações norte-americanas corrigindo a alta do último ano; e oportunidades em renda fixa, com vários títulos atrelados ao IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

“Mas [cabe dizer que] cada investidor deve saber o risco que está disposto a tomar para decidir uma estratégia de investimento”, diz Sanches

Créditos: CNN Brasil com Reuters