“COMER PARA NÃO ENVELHECER”. ‘O que conta mesmo é aquilo que você come na sua rotina’, diz médico especialista em nutrição
Michael Greger é especialista em segurança alimentar, além de fundador do site de divulgação nutritionfacts.org. Em entrevista ao GLOBO falou sobre como ajustes na dieta podem levar até uma década a mais de vida
O médico especialista em segurança alimentar Michael Greger, de 52 anos, passou a se interessar por alimentação ao ver sua avó, de 65 anos, ter um péssimo prognóstico de saúde, com um problema cardíaco. Na época, Michael tinha apenas 9 anos e viu uma pequena revolução acontecer: com o ajuste de dieta da matriarca, ela pode viver décadas a mais e com boa saúde para curtir filhos e netos. A ideia de utilizar a alimentação como bálsamo de diversos males de saúde, o fez escrever dois livros sobre o tema e lançar o site de divulgação sobre alimentação nutritionfacts.org.
Seu segundo livro, "Comer para não envelhecer", publicado no Brasil neste mês pela Editora Intrínseca, o médico faz uma análise detalhada de grupos de alimentos, hábitos de vida e de doenças. O resumo do calhamaço de 700 páginas, porém, ele diz que é seguir o já conhecido: comer alimentos naturais, exercitar-se, não fumar, manter-se longe da obesidade e evitar o álcool. Ao GLOBO, ele fala sobre ajustes possíveis para levar uma rotina que afaste o aparecimento de doenças. Leia os melhores trechos da conversa:
Seu livro que acaba de chegar ao Brasil “Comer para não envelhecer” tem 700 páginas dedicadas especialmente à alimentação e hábitos de vida. Mas se fosse necessário resumir, o que precisamos perseguir para, afinal, comer bem?
A princípio, acho que é importante dar um passo para trás e perceber que não é preciso fazer mudanças drásticas, ir para o tudo ou nada. Mesmo o que diz o senso comum de estilo de vida pode significar viver uma década a mais. E nunca é tarde demais. Nunca é tarde demais para começar a comer mais saudável, parar de fumar ou começar a se movimentar. Esses aspectos também têm um grande poder. De fato, a conclusão do livro demonstra que 80% (do necessário) são esses comportamentos básicos de senso comum. O mais importante é que todos nós temos um poder tremendo quando o assunto é nossa saúde e longevidade. E que a maioria das mortes prematuras e doenças incapacitantes são preveníveis com uma dieta e um estilo de vida saudáveis o suficiente.
Existe uma mudança em curso no que diz respeito a essas doenças?
Antes, o campo da nutrição era baseado em doenças de deficiência. Então, uma parte importante desse campo da nutrição é focado em entender como você vai conseguir nutrientes o suficiente. Só que a população não morre mais de doenças de deficiências de nutrientes, como escorbuto (da falta de vitamina C). Estamos morrendo de doenças de excesso de nutrição, de gordura, sódio, calorias e açúcares. Então, quando vamos pensar nossas dietas hoje em dia o ideal é pensar menos de onde sairá sua vitamina B12, mas sim como você vai evitar os excessos, responsáveis pelo aumento de mortes no Brasil e no mundo.
Mas, em termos práticos, o que dá para fazer? Você fala um pouco do benefício dos feijões na dieta, essa é uma ideia?
Sem dúvida, na verdade, são muito benéficas as leguminosas em geral. Os feijões, ervilhas, lentilhas são a base dessas comunidades que chamamos de Zonas Azuis (as Blue Zones, onde acredita-se haver mais longevidade de seus moradores que em outras partes do mundo). Eles encontraram um jeito de tirar dos legumes uma fonte importante de suas proteínas. Alguns estudos com gêmeos idênticos sugerem que apenas cerca de 25% da diferença na expectativa de vida entre as pessoas se deve à genética. Então, para cuidar da parte que podemos interferir, faz sentido olhar para essas Zonas Azuis. O que tiramos disso? Podemos centralizar nossa dieta em tornos de alimentos vegetais e integrais. E também minimizar alimentos processados, mesmo que sejam carnes e laticínios, sal e açúcar. E maximizar as frutas e vegetais, grãos integrais, leguminosas, as nozes e sementes. Cogumelos, ervas e temperos também. O foco deve ser nos alimentos de verdade que crescem do solo. Essas são as melhores escolhas.
E os feijões?
Adicioná-los é um primeiro passo fantástico. Recomendo três porções de alimentos do tipo por dia. Sabe, pode ser meia xícara por vez de alguma leguminosa. Se eu fosse adicionar apenas três coisas à dieta de alguém, as leguminosas, sem dúvida, seriam uma delas. Depois seriam os vegetais de folhas escuras e as frutas vermelhas, as mais saudáveis. Claro, deixaria de fora as carnes processadas, as salsichas, bacon e frios, porque tem relação com o câncer colorretal. E também as bebidas açucaradas, como os refrigerantes. Além da gordura trans, mas isso não faz parte da alimentação do brasileiro.
E em relação ao sabor, de fato as comidas pouco saudáveis são atraentes.
Bem, uma coisa muito popular é a espiga de milho. As pessoas acostumaram-se a colocar sal e manteiga nela, mas a verdade é que depois de algumas semanas comendo saudável, as coisas naturais passam a ser saborosas também — mesmo sem sal, açúcar e gorduras. É o melhor de dois mundos.
Qual o benefício de comer melhor mesmo na meia idade? Quanto tempo leva para notarmos os benefícios da mudança?
Mesmo aos 70 anos há benefícios. É possível chegar a 10 anos extras de vida com base nessas mudanças de comportamento, baseadas no que sabemos do senso comum. Comer bem, não ser obeso, fazer atividade física diária de 20 minutos por dia. Há décadas em jogo se você começa a comer bem antes dos 50 anos. Mesmo aos 80 há anos à frente. Sobre a velocidade dos efeitos, dependerá sobretudo do seu estado de saúde inicial. Quando você é jovem, pode comer todo tipo de porcaria e não vai sentir, mas com a piora da saúde, avanço da idade ou pré-diabetes, pressão alta, a mudança é logo sentida como um benefício.
É sabido que as cidades não são construídas para facilitar uma alimentação mais saudável. É mais fácil, em alguns casos, achar ultraprocessados do que alimentos frescos para comer na rua. O que fazer no nível individual?
Uma das coisas que faz diferença é conseguir controlar o ambiente. Se você passa todos os dias em frente a uma loja de donut e não consegue resistir, mude o caminho. Em casa, as coisas são mais fáceis, você controla seu ambiente. Então, é melhor não ter comida ruim em casa. Porque você vai preferir o biscoito a uma fruta, quando der fome. Tire vantagem do seu desejo natural de poupar energia. Se tiver vontade de comer alguma porcaria enquanto está no sofá, pense que você terá que ir até o mercadinho para comprá-la. Outra parte é levar alimentos saudáveis conosco. Eu viajo muito, portanto sempre tenho um lanche de nozes e frutas secas comigo. Ter essas comidas saudáveis junto a nós ajudam a não ceder à tentação.
Estudos pequenos, que aparecem aqui e ali, costumam trazer dúvidas sobre cafés, ovos ou outros alimentos que não sabemos certamente se fazem bem ou mal. Como devemos nos comportar em relação a isso?
Entre os especialistas existe um consenso de que o melhor para nós, humanos, é centrar a dieta em alimentos à base de plantas (ou seja, que vêm da terra). Não importa muito o que você vai comer no seu aniversário, no final de ano, ou em ocasiões especiais. O que conta mesmo é o que você faz na sua rotina, no seu dia a dia. É aí que você deveria se esforçar para comer saudável, centrando em alimentos que vêm da terra. Então, você quer saber se os ovos são bons pra você. Comparado com o quê? Salsicha? Sim, sem dúvida o ovo é melhor. Comparado à aveia? Bem, a aveia tem impacto positivo, reduzindo seu colesterol. A comida é sempre um jogo de soma zero. Todas as vezes que você coloca algo na boca, está tendo a oportunidade de colocar algo ainda mais saudável no lugar.
Então posso seguir tomando cafezinho diariamente com tranquilidade?
Eu encorajo o consumo do café! Claro, não é para todos, por exemplo, quem tem histórico na família de glaucoma é melhor evitar. Mas para a maioria das pessoas é bom, há até estudos que sugerem a redução de casos de câncer. Claro, mas cada copo de café que você toma, considerando essa soma zero que te expliquei, é uma oportunidade perdida de tomar chá verde, que é mais saudável. O que eu faço? Bebo os dois, com o café ficando pela manhã e o chá verde, além dos herbais, mais tarde.
Fonte: Globo