Desequilíbrio entre os aeroportos Santos Dumont e Galeão gera prejuízo; autoridades debatem privatizações
Movimentação no Galeão caiu cerca de 65% em 8 anos. Já o Santos Dumont vem operando perto de sua capacidade máxima. Governo Federal recuou no projeto de privatização do terminal do Centro do Rio. Ministro quer apresentar soluções até o final de abril.
Os dois aeroportos mais importantes do Rio de Janeiro deveriam trabalhar juntos para ampliar a capacidade da cidade de receber voos, atrair novos investimentos e aumentar a arrecadação do município e do estado. Contudo, essa não é a realidade atual dos aeroportos do Galeão e Santos Dumont.
Enquanto o maior deles, o Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, na Ilha do Governador, vem perdendo um número grande de passageiros a cada ano, o Aeroporto Santos Dumont, no Centro, está operando no limite de sua capacidade e provocando atrasos e filas enormes.
A movimentação de passageiros no Galeão caiu cerca de 65% nos últimos 8 anos. Os números indicam prejuízos para o Rio de Janeiro.
Em 2014, no primeiro ano de administração privada do Galeão, o total de passageiros embarcando e desembarcando no aeroporto chegou a 17 milhões. Já em 2022, a empresa registrou a presença de 5,9 milhões de passageiros no aeroporto.
Por outro lado, o Santos Dumont, com mais de 10 milhões de passageiros em 2022, vem apresentando problemas como longas filas, falta de pontualidade e cancelamentos de voos, o que também gera prejuízo e desconforto para quem frequenta o terminal.
Segundo o diretor do FGV Transportes, Marcus Quintella, os passageiros que chegavam ao Rio pelo Galeão não passaram a chegar pelo Santos Dumont, ou seja, a diferença de mais de 11 milhões de pessoas é um indicador da forte perda econômica que afetou o estado e o município do Rio.
"O Santos Dumont está voltando a transportar a quantidade de passageiros praticamente a mesma de antes da pandemia, enquanto o Galeão saiu lá de 17 milhões de passageiros e caiu agora para 3 ou 4 milhões. Ou seja, esse número que desapareceu do Galeão não foi, certamente, para o Santos Dumont. Isso se deve a conjuntura econômica. É um prejuízo para a cidade do Rio de Janeiro e para o estado, sem dúvida alguma", comentou Quintella.
De acordo com especialistas, a aviação é fundamental para o turismo, mas é muito importante também para a indústria. Quando um aeroporto como o Galeão fica vazio ou opera abaixo de sua capacidade total, o estado perde dinheiro.
"Um equipamento como o Galeão estar subutilizado nessa medida que hoje está é um enorme desperdício e é péssimo do ponto de vista da cidade, da Região Metropolitana e do estado", disse o economista do Inter B, Cláudio Frischtak.
Em 2022, um estudo divulgado pela Firjan mostrou que é preciso haver uma melhor distribuição e coordenação de voos domésticos entre o Galeão e o Santos Dumont, o que poderia injetar R$ 4,5 bilhões na economia do estado todo ano.
“O Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro é bom para o turismo, ele é bom para o comércio e ele é bom para as indústrias. Ele é fundamental para isso”, acrescentou Júlio Talon, então diretor-presidente da Firjan.
29% de voos atrasados em 2023
O desequilíbrio nos números entre os dois aeroportos é ainda mais grave quando comparada a capacidade máxima do Galeão, que pode receber até 37 milhões de passageiros por ano, com o limite de operação do Santos Dumont, que é de 15,3 milhões.
Operando perto de sua capacidade máxima, o Santos Dumont também acaba gerando problemas na outra ponta da ponte aérea Rio-São Paulo.
Nos dois primeiros meses desse ano, segundo o site Airhelp, 29% dos voos da principal rota operada no aeroporto do Centro do Rio saíram com atraso superior a 15 minutos. Como comparação, no mesmo período de 2022, apenas 6,9% dos voos que deixaram o Santos Dumont com destino ao Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, saíram atrasados.
Capacidade máxima causa controvérsia
A capacidade máxima de passageiros por ano no Santos Dumont também virou um ponto de polêmica. Até o ano passado, a Infraero divulgava que o aeroporto tinha capacidade de atender até 9,9 milhões de passageiros por ano. Contudo, o órgão federal responsável por administrar os aeroportos brasileiros passou a considerar que a capacidade por ano do Santos Dumont é de até 15,3 milhões.
De acordo com a Infraero, a capacidade máxima não foi alterada.
Em nota, a empresa pública explicou que o número maior considera 12 horas de pico por dia no Aeroporto Santos Dumont, e que a capacidade de 9,9 milhões de passageiros por ano é relativa a uma demanda baixa, de 8 horas de pico por dia.
Ainda segundo a Infraero, eles passaram a publicar no site a capacidade máxima com alta demanda (15,3 milhões e não mais os 9,9 milhões).
Sobre os atrasos nos voos, a Infraero informou que a pontualidade da operação está sujeita a eventos adversos, como condições meteorológicas, atrasos na origem, interrupções ou congestionamentos das vias de acesso ao aeroporto, entre outros fatores.
Especialistas defendem privatização
Desde 2014, o Galeão é administrado pela Changi, empresa tailandesa que venceu a licitação para cuidar do aeroporto por 25 anos. Contudo, no ano passado, a concessionária manifestou interesse de abandonar o contrato.
Agora, o Governo Federal tem tentado negociar com a empresa e planeja uma nova licitação para o Galeão.
O impasse também acontece em relação à possibilidade de privatizar o Santos Dumont. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a ideia era vender o Santos Dumont junto com mais três terminais: Jacarepaguá (RJ); Montes Claros (MG); Uberlândia (MG); e Uberaba (MG).
Após forte pressão, o governo anterior decidiu suspender o edital de concessão do Santos Dumont. No último mês, o atual ministro Márcio França anunciou que o terminal permanecerá sob administração da Infraero.
A decisão não agradou autoridades e especialistas. Para o prefeito Eduardo Paes, a solução é licitar o Santos Dumont junto com o Galeão.
"O Santos Dumont tem que ser concedido. Tem que ser concedido em conjunto com o Aeroporto do Galeão. O Santos Dumont não pode ficar sendo a única receita da Infraero para sustentar todos os aeroportos do Brasil", disse o prefeito do Rio.
O chefe do executivo municipal prometeu mobilizar outros políticos para pressionar o governo federal na direção de um novo edital de licitação.
"Os políticos do Rio de Janeiro vão se mobilizar, nós vamos pressionar. Eu tenho certeza que o presidente Lula quer resolver esse problema. (...) Que a gente tenha uma decisão definitiva para o Galeão, que inclui o Aeroporto Santos Dumont necessariamente", comentou Eduardo Paes.
Marcus Quintella, diretor do FGV Transportes, também aposta que a melhor solução é a privatização. Segundo ele, o Santos Dumont precisa de novos investimentos.
"O Santos Dumont é um aeroporto que carece de investimento, principalmente para aumentar sua capacidade de embarque (...) O Santos Dumont e o aeroporto de Congonhas eram considerados as joias da coroa. Um já foi privatizado e ficou o Santos Dumont. A modelagem (licitação) do Santos Dumont pode ser junto com o Galeão, ou não. Isso não é obrigatório. Mas precisa ser atrativo para o investidor", comentou Marcus Quintella.
O especialista reforçou também a necessidade de ampliar o debate sobre a privatização do aeroporto, com a realização de audiências públicas.
"O Santos Dumont é superavitário, mas a não privatização dele vai na contramão de tudo que vem acontecendo no Brasil de evolução das privatizações. Eu entendo que o Santos Dumont precisa seguir o processo de privatização, em conjunto ou não. Vamos ouvir todos os envolvidos, vamos fazer audiência pública com todo mundo que está interessado e buscar a melhor situação para o estado do Rio de Janeiro", completou o diretor do FGV Transportes.
Outro especialista que defende a privatização do Santos Dumont é o economista do Inter B, Cláudio Frischtak. Para ele, o melhor modelo é a licitação dos dois aeroportos do Rio em conjunto.
"O melhor modelo é relicitar os dois aeroportos, de forma conjunta, para o mesmo operador. Exatamente pela pequena distância, pela importância de dinamizarmos o Galeão e não sobrecarregarmos o Santos Dumont", comentou o economista do Inter B.
Prefeito e ministro querem solução
Diante dos problemas, as autoridades de governo esperam resolver o desequilíbrio que vem provocando o esvaziamento do Galeão e a lotação do Santos Dumont.
O prefeito Eduardo Paes destacou que parte do problema é a migração de voos do Galeão para o Santos Dumont. Paes defendeu a privatização do terminal do Centro do Rio e um maior equilíbrio na distribuição dos voos.
"Na hora que você tira todos os voos domésticos, de conexão do Galeão, e leva para o Santos Dumont, lotando o Santos Dumont, naturalmente as companhias internacionais, que fazem conexão do Rio com o mundo, perdem o interesse para vir para o aeroporto do Galeão. O Rio perde duas vezes, as conexões e voos internacionais que poderiam vir para a nossa cidade", comentou Paes.
Para Márcio França, Ministro de Portos e Aeroportos do Brasil, a situação é preocupante. Segundo ele, o governo federal vai tomar medidas para que o Galeão volte a ser referência no Brasil.
"A orientação do presidente Lula e do novo governo é que nós tenhamos muito mais passageiros por todo o Brasil. E o Galeão é muito importante. Ele é central para o Rio de Janeiro e para o Brasil. Já foi uma referência importante no Brasil e vai voltar a ser", comentou Márcio França.
A ideia do governo é tratar do problema no próximo dia 24 de abril, quando está marcada uma reunião na Secretaria Nacional de Aviação Civil com a presença do ministro Márcio França, o governador Cláudio Castro e o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes. No encontro, as autoridades devem debater possíveis soluções para ampliar o número de passageiros do Galeão.
Fonte: G1