Gordura no fígado: como e por que a esteatose hepática se tornou uma epidemia global e preocupante

Neste artigo, especialista destaca que fatores como obesidade, diabetes e hábitos alimentares inadequados contribuem para essa condição silenciosa, que pode levar a complicações graves, como cirrose e câncer.

Gordura no fígado: como e por que a esteatose hepática se tornou uma epidemia global e preocupante
— Foto: Divulgação

– Eu sou seu fígado. Estou sendo prejudicado pelo excesso de gordura infiltrado entre as minhas células. Por favor, cuide disso antes que eu comece a falhar.

Se pudesse, o fígado de uma a cada três pessoas faria esse apelo. Estima-se que entre 25% e 30% da população adulta mundial tenham algum grau de gordura no fígado, condição chamada de esteatose hepática ou doença esteatótica associada à disfunção metabólica (sigla MASLD, em inglês).

No Brasil, dados citados pela Sociedade Brasileira de Hepatologia indicam em torno de 20% de esteatose hepática na população geral. Quando pacientes diabéticos são avaliados pelo ultrassom em relação à presença de esteatose, 70% são portadores da doença.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) se preocupa com o aumento de casos de esteatose hepática, especialmente em países com altos índices de obesidade e diabetes, caracterizando uma epidemia global e silenciosa que já afeta populações mais jovens.
A doença costuma progredir em silêncio, e agrava os riscos à saúde com o passar do tempo. O fígado, a maior glândula do corpo, desempenha funções essenciais como filtrar o sangue, eliminar toxinas, produzir bile, armazenar vitaminas e minerais, regular a coagulação sanguínea e metabolizar hormônios e medicamentos.

O excesso de gordura afeta essas funções, causando inflamação e predispondo o órgão a problemas graves como esteato-hepatite, fibrose, cirrose e câncer.

Esse acúmulo pode ocorrer por várias razões. Uma delas é a entrada excessiva de ácidos graxos no sangue, provenientes da dieta ou da oxidação da gordura. Ácidos graxos são componentes básicos de lipídios, que são moléculas essenciais para armazenar energia e formar estruturas celulares, como as membranas.

Outra via é a produção aumentada de gordura pelo fígado a partir da glicose, comum em pessoas com resistência à insulina (hormônio que leva a glicose para dentro das células) ou ingestão de carboidratos em excesso. Problemas nas mitocôndrias (as “usinas” de energia das células) também diminuem a queima de gordura, favorecendo o acúmulo.

As alterações na composição da microbiota intestinal (a disbiose) também podem prejudicar a produção de ácidos graxos e aumentar a permeabilidade intestinal, facilitando a entrada de toxinas que inflamam o fígado. A microbiota é o conjunto de microrganismos (como bactérias, vírus e fungos) que habitam diversas partes do corpo, especialmente o intestino. Além disso, mudanças na microbiota afetam o metabolismo de gorduras e açúcares, agravando a resistência à insulina.

Quem está mais vulnerável?

Os grupos de maior risco incluem indivíduos com sobrepeso ou obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e dislipidemias (alterações das diversas frações de gordura no sangue, como colesterol e triglicérides).

Nota-se também que a síndrome dos ovários policísticos, a apneia obstrutiva do sono e algumas condições hormonais, como o hipotireoidismo, estão associadas ao desenvolvimento da esteatose hepática. O uso de alguns medicamentos, como certos corticosteroides (entre outras substâncias), pode também contribuir para o processo.

O diagnóstico precoce é fundamental, pois a esteatose geralmente não apresenta sintomas evidentes. Quando surgem, incluem dor abdominal, fadiga extrema e perda de peso inexplicável. Isso significa que a doença já evoluiu para sua forma mais grave, como fibrose avançada ou mesmo cirrose, insuficiência hepática e câncer.

Especialmente aqueles que se encaixam nos grupos de risco devem realizar exames de rotina para monitorar a saúde do fígado. O ultrassom abdominal é o exame mais acessível para diagnosticar a esteatose hepática, permitindo a avaliação do acúmulo de gordura no órgão.

A elastografia hepática (FibroScan) é também um exame não invasivo que permite avaliar a rigidez do fígado, além da quantidade de gordura e fibrose presentes. Outro método altamente preciso para quantificar a gordura depositada é a ressonância magnética. Já a biópsia hepática, que faz uma análise direta da quantidade de gordura e detecta inflamação e fibrose, é indicada apenas em casos mais graves.