Implantes hormonais que pegam carona nos 'chips da beleza' eram feitos em farmácia e vendidos como tratamento, mesmo sem comprovação

Com proibição de venda para fim estético, chips hormonais ganharam apelo como tratamento para doenças, mesmo sem evidência de eficácia.

Implantes hormonais que pegam carona nos 'chips da beleza' eram feitos em farmácia e vendidos como tratamento, mesmo sem comprovação
Foto: Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil)

A promessa de melhorar a libido e o cansaço convenceu Fernanda Machado, de 39 anos, a implantar um chip hormonal após retirar um dos ovários. Hoje, ela vive um drama: "Dependo de remédios, tenho problema renal e minha vida se tornou um inferno”. Diante da falta de comprovação científica e de centenas de pacientes com complicações, os implantes foram proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Os dispositivos ficaram famosos como "chips da beleza", prometendo resultados como ganho de massa magra e emagrecimento. No entanto, após inúmeros relatos de complicação e com médicos proibidos de anunciar o produto para esse fim pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 2023, eles ganharam o selo informal de “tratamento”.

Com uma rápida busca nas redes, é possível encontrar centenas de médicos falando que os implantes são capazes de solucionar endometriose, sintomas da menopausa, disfunção sexual, lipedema, obesidade, depressão, celulite, entre outros problemas, sempre com maior apelo para o público feminino

No entanto, o que especialistas de mais de 30 entidades médicas que pediram a análise da Anvisa sobre os implantes apontam é que:

  • Não existe evidência de que os chips, de fato, funcionem para essas doenças.
  • Os chips são feitos em farmácias de manipulação e não passam pelo parâmetro da Anvisa como qualquer outro medicamento, o que representa um risco.
  • O aumento no número de complicações graves recentes relacionadas ao uso de implantes. Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), na plataforma lançada em agosto para médicos incluírem casos de complicações, até outubro foram mais de 250 casos.

Com as alegações, a Anvisa proibiu em 18 de outubro a comercialização e manipulação dos implantes hormonais, englobando todos, não só os conhecidos como "chips da beleza".

Um ponto importante: é preciso saber que a agência não vetou a suplementação hormonal. Isso segue permitido, mas com os medicamentos aprovados pela agência. E o implante proibido também não tem relação com aquele que é usado para prevenir a gravidez – ele segue permitido.

Fernanda é parte das estatísticas. Ela recebeu um chip com testosterona e dois com gestrinona, um hormônio androgênico que também era usado na versão do implante da beleza. Ela conta que o médico indicou pelo registro de “baixa testosterona”, argumento popular nas redes, mas que não tem base em evidência científica.

O médico endocrinologista e diretor da SBEM, Fábio Moura, explica que apesar de ser um diagnóstico popular nas redes sociais, não existe valor de referência para nível de testosterona baixa em mulheres e nem mesmo exames que sejam precisos sobre esses números.

Esse discurso não tem base em ciência. Não existe referência para o mínimo de testosterona em mulher. Além disso, os exames que temos hoje não conseguem fazer uma leitura exata. Esse hormônio oscila de acordo com cada fase do ciclo da mulher, é muito incerto.
— Fábio Moura, endocrinologista e diretor da SBEM.

Sem saber disso e das consequências, a administradora permitiu que o médico colocasse o chip. Em três meses, o que era a expectativa de melhora dos sintomas, se tornou um pesadelo.

Eu estou com problemas renais, já tive que parar na emergência. Eu perdi meu cabelo, tenho alterações de humor, dores, problemas de intestino, hipertireoidismo. Procurei outro médico e, para tratar as consequências, estou dependente de vários remédios. Isso está me destruindo.
— Fernanda Machado, paciente que colocou implante hormonal.
Por: G1