Juristas divergem sobre teses jurídicas que podem condenar Bolsonaro por golpe

Principal questionamento que deverá ser feito é em torno do alcance do artigo 359-L do Código Penal

Juristas divergem sobre teses jurídicas que podem condenar Bolsonaro por golpe
Bolsonaro com seus ministros em vídeo classificado pela Polícia Federal como evidência de um suposto plano para golpe.| Foto: Reprodução/STF

Principal questionamento que deverá ser feito é em torno do alcance do artigo 359-L do Código Penal. 

O provável julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2025 começa a colocar em debate nos meios jurídicos as teses que serão confrontadas pela acusação e pela defesa.

O principal questionamento que deverá ser feito é em torno do alcance do artigo 359-L do Código Penal.

O artigo trata “DOS CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS” e descreve como crime de “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito” o ato de “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.

A pena prevista é de 4 a 8 anos de prisão, além da pena correspondente à violência.

Desde o início da investigação, a defesa de Bolsonaro afirma que o artigo não pode ser aplicado no caso dele porque não houve execução do golpe.

A leitura baseada na doutrina penal e que deverá ser utilizada na defesa perante o STF é a de que o caminho do crime tem quatro fases:

1) Cogitação, que seria o momento de idealização do crime e do seu desenvolvimento intelectual;

2) ⁠Atos preparatórios, que seriam os atos para preparar o projeto criminoso, o que inclui obtenção de meios de execução, como armas, veículos, preparação de esconderijos etc.; e de informações como localização geográfica, itinerários, rotinas etc.;

3) ⁠Atos executórios, que seriam os atos que configurassem o início da atividade criminosa propriamente dita. Aqui, segundo o entorno de Bolsonaro, considera-se, tecnicamente, o início de execução quando o agente perpetra, ainda que parcialmente, a ação descrita no tipo penal.

A defesa de Bolsonaro entende que no caso dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, é necessário o início de uma ação violenta ou de grave ameaça, já que a descrição dos delitos é vinculada e esse tipo de ação.

4) ⁠Consumação, que seria a etapa final do delito e se caracteriza quando o agente realiza todos os elementos do enunciado do tipo penal.

A defesa de Bolsonaro vai alegar que, no sistema jurídico brasileiro, a cogitação e os atos preparatórios são penalmente impuníveis e que a atuação da Justiça Criminal se dá apenas com o início de execução, tendo em vista que só a partir daí o bem jurídico penalmente tutelado passa a ser concretamente ameaçado.

A ex-deputada e professora de direito penal da USP Janaína Paschoal se posicionou nas redes sociais nessa linha ao tratar do plano de execução de autoridades que, segundo a Polícia Federal, o grupo acusado de golpe de Estado tramou.

“Não houve tentativa! Para ter tentativa, é preciso ter início da execução! Mesmo quando se inicia a execução (o que não ocorreu no caso), a desistência voluntária descaracteriza a tentativa. Por óbvio, o tal plano precisa ser investigado. Mas não dá para dizer que houve tentativa de homicídio do presidente!”, escreveu.

A tese, porém, não é conclusiva no meio jurídico e a inexistência de julgamentos semelhantes anteriores dificulta um consenso pois não há jurisprudência nos tribunais sobre esse tipo de crime.

Um dos principais advogados criminalistas do país, Alberto Toron disse à CNN considerar que, se o artigo do Código penal fala em tentar, já é possível condenar sem a execução do crime.

“Se o artigo de lei fala em tentar, a simples tentativa já é considerada a consumação da infração porque o legislador, nesses casos, deu importância à proteção do bem jurídico que é o próprio Estado Democrático de Direito. Ele antecipa a consumação dada a importância do bem jurídico. Por isso que ele fala em ‘tentar’ no título”, disse Toron à CNN.

Para ele, um outro debate provável do julgamento é se o que as investigações mostraram até agora se configuram atos executórios ou preparatórios.

“Os atos preparatórios são impuníveis. A pergunta é: estávamos diante de atos preparatórios ou executórios? Se forem executórios o crime será considerado”, disse.
Para ele, pelo que foi publicado até agora, o crime está configurado.

“Com a mera tentativa a tentativa o executor já antecipou o tipo penal”, declarou à CNN.

O juiz de direito do Fórum João Mendes e professor-doutor da USP Guilherme Madeira acrescenta que o Código Penal dá especial importância a crimes que de tão graves a mera tentativa já é passível de punição.

“Tem condutas que são tão graves que se antecipa o momento da punição. São os ‘crimes de perigo’. É esse o caso do artigo 359-L . É um crime de atentado porque o crime consumado significa que o golpe deu certo”, disse.

Para ele, com base no que foi publicado até agora sobre a investigação, é possível falar em tentativa de golpe.

“Com base em tudo o que foi visto até agora daria sim para caracterizar. Tem que olhar o todo e o todo me parece que o 359-L não pode ser dissociado dos atos de 8 de janeiro. E me parece que vão surgir provas unindo tudo”, disse.

Ele coloca, ainda, um outro debate que deve surgir: se houve ou não a chamada “desistência voluntária”.

O mecanismo está presente no artigo 15 do Código Penal e estabelece que “o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”.

“Aí tem que saber o que levou ao abortamento da ação. No meu ver, dependendo do que aconteceu, pode ter o crime em si. E admitindo que eles tenham praticado os atos executórios é preciso entender o que os levou a abortar da ação criminosa. Dependendo disso, tem desistência voluntária que afasta o crime”, afirmou.

Por: CNN