O 'truque' de Elon Musk que fez com que o X voltasse a funcionar no Brasil
A rede social passou a usar um servidor intermediário apenas no Brasil, o que dificulta o bloqueio por operadoras de internet. Bloqueio deste servidor poderia afetar o funcionamento de bancos e outras grandes plataformas de internet.
O X está bloqueado desde o fim de agosto por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), mas essa alteração permitiu a algumas pessoas acessar e publicar na plataforma, mesmo sem o uso de VPN.
A empresa disse que a mudança foi feita porque a infraestrutura para fornecer o serviço na América Latina ficou inacessível para sua equipe após o bloqueio no Brasil. Segundo a companhia, a alteração causou uma "restauração involuntária e temporária do serviço para usuários brasileiros".
Segundo a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), o X passou a usar endereços de IP vinculados a servidores da Cloudflare, e não mais a uma infraestrutura própria.
O QUE É IP? É uma sequência de números que funciona como o endereço de um servidor. Na prática, ao digitar o endereço de um site, o navegador transforma o link em um IP (sigla em inglês para "protocolo de internet").
O QUE É CLOUDFLARE? A Cloudflare é uma empresa que fornece serviços e pode atuar como um intermediário entre o servidor de um site e o usuário. Neste caso, esse serviço permitiu que o X se tornasse mais resistente contra o bloqueio.
"Diferente do sistema anterior, que usava IPs específicos e passíveis de bloqueio, o novo sistema [Cloudflare] faz uso de IPs dinâmicos que mudam constantemente", diz a Abrint.
"Muitos desses IPs são compartilhados com outros serviços legítimos, como bancos e grandes plataformas de internet, tornando impossível bloquear um IP sem afetar outros serviços."
Por que o X mudou seus servidores?
O X afirmou na noite de quarta que quando foi suspenso no Brasil, sua infraestrutura para fornecer o serviço na América Latina não estava mais acessível para sua equipe. E que, por isso, foi necessário mudar o servidor, causando a restauração "involuntária e temporária" do serviço.
"Embora esperemos que a plataforma fique inacessível de novo em breve, continuamos os esforços para trabalhar com o governo brasileiro para retornar muito em breve para o povo do Brasil", disse a empresa.
A mudança foi feita apenas em um servidor localizado no Brasil, como aponta o What's My DNS, site que permite verificar o endereço IP de domínios. Em outros países disponíveis na ferramenta, a empresa continua usando sua própria infraestrutura.
"O X faz isso justamente para burlar o bloqueio no Brasil, já que ele não fez essa alteração para o Cloudflare no acesso para outros países", afirmou David Nemer, antropólogo da tecnologia e professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos.
"As declarações do Musk e a questão de ele ter aberto o Alexandre Files [perfil em que o X divulga decisões do ministro] mostram que ele está em uma guerra pessoal com o Brasil, o Alexandre de Moraes e o STF".
Elon Musk e Aleandre de Moraes — Foto: EVARISTO SA, ETIENNE LAURENT / AFP
O que é a Cloudflare?
A Cloudflare é um serviço de proxy reverso, que funciona como um intermediário entre o servidor de um site e o usuário. Ele serve para oferecer mais segurança e melhorar a performance para o site.
"Um proxy reverso reside na frente de um servidor de origem e garante que nenhum cliente jamais se comunique diretamente com esse servidor de origem", diz a Cloudflare, em sua página.
Neste caso, a Cloudflare funcionou como um serviço terceirizado para entregar conteúdo do X para os usuários brasileiros, explicou Thiago Ayub, diretor de tecnologia da empresa de telecomunicações Sage Networks.
"A diferença é que, como há uma troca do equipamento que é responsável por entregar o conteúdo, esse novo equipamento não estava previamente bloqueado", explicou.
"Uma comparação que a gente poderia fazer é de que, com o carro banido de entrar no Brasil, o Elon Musk alugou um carro com outra placa e conseguiu entrar despercebido", disse Ayub.
O que acontece agora?
A Abrint afirma que as operadoras estão em uma posição delicada e aguardam o posicionamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para entender quais medidas devem ser tomadas.
"Os provedores não podem tomar ações por conta própria sem uma orientação oficial da Anatel, pois um bloqueio equivocado poderia afetar empresas legítimas", diz a associação.
Fachada da sede da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) — Foto: TV Globo/Reprodução
Para Thiago Ayub, a situação causa insegurança jurídica para os provedores, já que a ordem do STF diz que estas empresas devem usar todos os meios técnicos possíveis para inviabilizar o acesso ao X.
"Se a gente fizer ao pé da letra como está, teria que bloquear, criar um apagão no Brasil de vários sites populares. Então eu sinto que há um desconforto grande, um temor ou uma insegurança nos profissionais da minha área de seguir ou não a decisão como está", afirmou.
Nesse contexto, quem pode bloquear especificamente o X é a Cloudflare. "Ela tem plena autonomia de fazer esse bloqueio somente para o X e para os usuários brasileiros, porque são os equipamentos dela que estão sendo utilizados", destacou Ayub.
"A Anatel não consegue demandar das provedoras que bloqueie especificamente o X na Cloudflare, isso está além do que elas podem fazer", explicou Nemer. "O que elas podem fazer é bloquear a Cloudflare, mas isso não deve acontecer por causa da implicação disso."
Procurada pelo g1, a Anatel afirmou que "mantém a fiscalização a respeito da ordem de bloqueio" e que "o resultado desse acompanhamento é reportado diretamente ao STF".
Fonte: G1