Seca afeta 10 mil pessoas, isola comunidades e causa desabastecimento no Amazonas

Segundo o governo do Amazonas, estiagem deste ano pode ser mais severa do que a de 2023. Dos 62 municípios do estado, 20 estão em estado de emergência.

Seca afeta 10 mil pessoas, isola comunidades e causa desabastecimento no Amazonas
Rios Envira e Tarauacá sofrem estiagem severa no interior do Amazonas. — Foto: Divulgação/Defesa Civil Municipal

Com pouco mais de 17 mil habitantes, o município de Envira, localizado na região sudoeste do Amazonas e distante 1.200 km de Manaus, já sofre os impactos daquela que pode ser a maior seca dos últimos anos no estado, segundo o governo estadual. Dez mil pessoas já foram afetadas pelo fenômeno, que também tem isolado comunidades, encalhado embarcações e causado problemas de abastecimento de insumos no município.

O cenário que se desencadeia em Envira é esperado para todo o estado. O governo do Amazonas prevê que a situação neste ano pode ser ainda pior do que a vivida no ano passado, quando foi registrada a maior seca da história do Amazonas. Até o momento, 20 das 62 cidades do estado já estão em situação de emergência. Em Manaus, o Rio Negro desceu 54 centímetros só em julho.

A estiagem do ano passado também afetou Envira, isolando comunidades e trazendo problemas de abastecimento. No entanto, neste ano, o fenômeno começou mais cedo por lá. No dia 16 de julho de 2023, o Rio Tarauacá, que banha a cidade, media 8,55 metros. Nesta terça (16), um ano depois, o mesmo rio está medindo 5,26 metros.

Na foz do Rio Jurupari, um dos afluentes do Rio Envira, já é possível fazer o trajeto entre as duas margens a pé. No fim de semana, as águas mediam 1,22 metro. No ano passado, no mesmo período, as águas estavam em 6,77 metros.

Dados da Defesa Civil apontam que sete mil pessoas já foram impactadas pela seca dos Rios Taraucá e Envira na sede do município, e outras três mil sofrem os efeitos do problema na zona ribeirinha. A situação é tão crítica que fez com que a prefeitura também decretasse situação de emergência.

O problema fica ainda pior por conta da distância do município. Em condições normais, é mais fácil e vantajoso chegar a Envira por Feijó, cidade acreana que fica a 89 km do município amazonense, usando barco ou avião - únicos meios de transporte possíveis. No entanto, com a seca, o que já era difícil fica ainda pior.

No estado vizinho, o Acre, a seca também já é um problema. Isso ocorre poucos meses após uma cheia recorde em fevereiro.

"A situação é bastante delicada e ainda estamos no mês de julho. Nunca tivemos um rio tão baixo. Nesse mesmo período, no ano passado, o rio estava dois metros acima do que está hoje. O normal são os barcos saírem de Feijó (AC) de manhã e chegarem aqui pela noite ou na manhã seguinte. Hoje, barcos com 10, 15 toneladas estão demorando dez dias para fazer esse trajeto", contou Ismael Dutra, chefe da Defesa Civil municipal.

Ainda segundo Ismael, com os rios secos, as embarcações estão encalhando e o transporte, que já é difícil na região, tende a piorar. Com isso, há risco de desabastecimento de itens de consumo diário da população.

"As comunidades rurais dos rios Envira Alto e Tarauacá Alto estão quase que 95% afetadas. Temos três bairros na cidade afetados diretamente. 70% da mercadoria que chega a Envira vem de Feijó. Para chegar gás e outros alimentos está complicado. Também estão faltando algumas verduras, como o tomate. Do jeito que o rio está baixando diariamente vamos ter muitas outras comunidades isoladas em breve."

A situação é tão crítica que o chefe da Defesa Civil aconselhou moradores das regiões ribeirinhas a se abrigarem na sede do município.

"Estamos pedindo que a população guarde alimentos, que as pessoas que estão em comunidades rurais, principalmente as que tenham problemas de saúde, possam vir para a sede do município porque existe sim um risco de isolamento."

Transporte impactado

O barqueiro Elvis Melo, que mora em Envira e trabalha fazendo o transporte de verduras de Feijó até o município, contou que teve que mudar de barco para poder trabalhar.

"Em condições normais, essa viagem demoraria cerca de um dia. Mas, com a seca, um barco médio está demorando cerca de 6 a 7 dias para chegar a Envira, saindo de Feijó. Por isso, tivemos que trocar para uma canoa pequena, que demora uns dois ou três dias para chegar, para poder passar em alguns trechos do rio onde não se passa mais."

O problema também tem impacto na renda do comerciante, que muitas vezes vê o produto estragar durante a viagem, sem poder fazer nada. "A gente tem perdido muitas verduras por conta do tempo de viagem. Aí, o que fazemos é vender a preço de custo para não perder a mercadoria."

"Não é normal. A situação que estamos vivendo hoje parece a que vivíamos no final da seca do ano passado. Se continuar assim, vai faltar energia, porque não tem como trazer combustível. Com as verduras, conseguimos passar de pouquinho em pouquinho, mas não tem como fazer isso com o petróleo. Logo, sem combustível, podemos ficar sem energia."

Saúde em alerta

A estiagem no município acendeu, ainda, um alerta na área da saúde. Com o isolamento, Envira pode ficar sem oxigênio, segundo o secretário de saúde Maronilton Silva.

"Hoje, a nossa logística se faz através do estado do Acre, saindo as balas [cilindros] de oxigênio de Feijó. Isso levava dois, três dias. Hoje, são 11, 12 dias para o oxigênio chegar a Envira. Ainda não temos usina, ficamos no aguardo, vamos precisar tomar medidas para não ficarmos sem o insumo."

O secretário também mostrou preocupação com a possibilidade de a cidade ficar sem água potável.

"Os nossos poços artesianos estão ficando escassos. Temos essa dificuldade e estamos tentando arrumar isso para que a gente não fique sem água. O que a gente está vivendo hoje, em condições normais, deveríamos viver em setembro, outubro. É o momento de nos preocuparmos", disse.

Ações preventivas

As previsões indicam que a seca em 2024 pode ser tão severa quanto a de 2023. Por isso, o governo estadual decretou estado de emergência em 20 municípios, situados nas calhas do Juruá, Purus e alto Solimões.

O governo também decretou emergência ambiental no estado devido a queimadas registradas no sul do Amazonas, Manaus e região metropolitana. Os decretos têm validade de 180 dias.

Ainda conforme o governo, ações voltadas para o abastecimento de água potável, insumos e medicamentos para a saúde, produção rural, logística para a manutenção do funcionamento da rede estadual de educação, ajuda humanitária e dragagem dos rios são os principais focos do cronograma de atividades do plano de contingência do governo.

Municípios da calha do Juruá já estão recebendo medicamentos e insumos para a saúde, como Guajará, Envira e Ipixuna, segundo a secretária de saúde, Nayara Oliveira. Nas localidades, com a vazante dos rios, o transporte fluvial já está sendo prejudicado.

Fonte: G1